Lançado em 1991 e dirigido por Isao Takahata, Memórias de Ontem (Omohide Poro Poro) é um dos filmes mais sensíveis e maduros do Studio Ghibli. Muito diferente das animações mais conhecidas do estúdio, como Meu Amigo Totoro ou A Viagem de Chihiro, esse longa não aposta na fantasia ou no espetáculo visual. Em vez disso, oferece uma narrativa profundamente humana, que fala com delicadeza sobre a passagem do tempo, as lembranças da infância e as encruzilhadas da vida adulta.
A protagonista é Taeko, uma mulher de 27 anos que vive em Tóquio e trabalha em um escritório. Cansada da rotina urbana, ela decide tirar férias e viajar para o interior do Japão para ajudar na colheita do açafrão. Durante essa temporada no campo, Taeko começa a lembrar de episódios marcantes da sua infância, especialmente de quando tinha 10 anos. Essas lembranças surgem naturalmente, como se fossem visitando-a enquanto ela se redescobre longe da cidade.
O filme se constrói nesse vai e vem entre passado e presente. A narrativa é costurada por memórias aparentemente simples — uma briga na escola, um passeio em família, o primeiro contato com a menstruação, a frustração por não se destacar em matemática — mas que, vistas à distância, revelam o quanto moldaram sua identidade. Aos poucos, o espectador percebe que Taeko está numa fase de questionamento: será que ela se tornou a pessoa que queria ser? O que ficou para trás? O que ainda é possível mudar?
O grande mérito de Memórias de Ontem é justamente esse: transformar o cotidiano em algo poético. Não há grandes reviravoltas nem personagens extravagantes. O foco está nas pequenas emoções, nas conversas pausadas, nos silêncios. É um filme que se aproxima muito mais da literatura do que de outros desenhos animados, e talvez por isso tenha sido pouco conhecido no Ocidente por muito tempo — inclusive, ele só chegou oficialmente aos cinemas americanos em 2016, 25 anos após seu lançamento original.
Visualmente, o filme adota dois estilos distintos. As cenas do presente têm cores mais realistas e traços mais detalhados, enquanto as lembranças da infância são mais suaves, com contornos leves e tons esmaecidos, como se fossem realmente fragmentos de memória. Essa escolha sutil contribui muito para o clima introspectivo da obra. A trilha sonora, baseada em músicas folclóricas e canções europeias, reforça essa sensação de tempo suspenso.
Memórias de Ontem não é uma animação voltada para crianças — não por conter conteúdo inapropriado, mas por sua abordagem contemplativa, que exige uma escuta emocional mais apurada. É um filme para adultos, especialmente para quem já teve que tomar decisões difíceis, lidar com expectativas da família, ou se perguntou em algum momento: “Era isso mesmo que eu queria da vida?”.
Assistir a este filme é como reler um velho diário ou revisitar uma caixa de lembranças da infância. Às vezes dói, às vezes aquece o coração. Mas, sobretudo, faz pensar. Taeko não encontra todas as respostas ao final da história, mas ela se aproxima um pouco mais de si mesma — e isso, por si só, já é algo muito bonito de se testemunhar.
Sim, vale muito a pena assistir Memórias de Ontem. Não espere magia no sentido tradicional dos filmes Ghibli. A magia aqui está nas entrelinhas, na honestidade com que se retratam as dúvidas da vida adulta e a beleza escondida nas memórias mais comuns. É um filme que fala com quem já viveu um pouco, com quem sente saudade de si mesmo e com quem ainda acredita que sempre é tempo de recomeçar.